O
FUTEBLOG TOTAL tem a honra e o desmesurado orgulho de apresentar - à consignação da Sporting SAD -
o maior ensaio de todos os tempos sobre a pós modernização do Sporting: depois da leitura destas linhas, nada será como dantes. (Ensaio Claramente Candidato ao Prémio Stromp)
Pelo PROFESSOR DOUTOR por extenso e em maiúsculas
O. LEGÁRIO BEMPARENÇAPESEIRO E O PRINCÍPIO DA REALIDADE: A NÃO CONSUBSTANCIAÇÃO DO DESEJO NARCÍSICO.“ (…) Rossi quebrou o longo jejum de golos logo aos cinco minutos. Volvidos sete minutos, Sócrates igualou a partida. No entanto, Rossi estava inspirado e voltou a marcar, aproveitando da melhor maneira um erro defensivo dos brasileiros. Bastava o empate ao Brasil para assegurar as meias-finais e quando Falcão fez o 2-2, parecia que esse objectivo iria ser atingido. Puro engano, pois a 16 minutos do término do jogo, Rossi assinou um "hat trick". Depois, a grande actuação do guarda-redes Dino Zoff permitiu à Itália conservar a vantagem até ao final da partida.” in
www.uefa.com Qual encenação sob pano verde de uma tragédia grega, o recordar dessa épica tarde de 5 de Julho de 1982, no estádio Sarriá em Barcelona, serve como exemplo pictórico de um dos fundamentos essenciais que norteiam o funcionamento humano e (como adiante se vai procurar demonstrar) bem como o desporto-rei: o princípio da realidade.
Muitos olham Sigmund Freud como o autor da “terceira ferida narcísica” no Homem, depois de Copérnico ter demonstrado que a Terra não era o centro do Universo e de Darwin ter questionado a nossa ascendência divina. Por sua vez, o psiquiatra austríaco defendeu a ideia de que todos tínhamos um “universo secreto”, um local ao qual não teríamos acesso a não ser através de sonhos ou da psicanálise – o inconsciente (numa segunda fase, passou a denominar-se Id). Freud advogava igualmente que o ser humano se regia por dois princípios essenciais, eternamente em conflito:
o princípio do prazer e o princípio da realidade. De um modo geral, o princípio do prazer é governado pelo Id, a nossa instância psíquica mais primitiva, que luta pelo nirvana em termos de satisfação dos desejos (as pulsões). No extremo oposto, encontramos o princípio da realidade, em que as imposições da sociedade (incorporadas na instância do Superego), obrigam o Ego (a instância psíquica mais ligada ao consciente) a uma frustração de todos os nossos desejos mais íntimos e impossíveis de realizar. Nesse sentido, já podemos situar o exemplo que abriu esta missiva: a selecção brasileira de 1982, onde militavam nomes como Zico, Sócrates ou Falcão, foi (e ainda é) o maior expoente do futebol regido pelo princípio do prazer. No pólo oposto está a Itália de Rossi e Zoff, o paradigma perfeito da squadra azzurra, dominada pelo princípio da realidade.
A questão complexifica-se no momento em que, numa determinada equipa, os dois princípios entram em conflito, sem que um deles se sobreponha ao outro. A gestão de tal conflito é algo que não está ao alcance de todos. Aliás, ao longo da história do futebol, talvez apenas o “futebol total” de Michels, Cruyff e Neeskens, tenha superado tamanho dilema, fruto de uma atitude desconstrutivista perante o posicionamento de jogadores e a rigidez de esquemas tácticos, levando à criação de uma autêntica “orquestra de improvisadores”, no mais puro sentido Zorniano.
Figura 1
A incapacidade de resolver de modo satisfatório o conflito Id-Ego ilustra, na minha humilde e singela opinião, o drama vivido pelo Sporting 2004/2005 de José Peseiro (vide figura 1), uma equipa que viveu, em certa medida, sob o signo da
neurose colectiva. E, mais particularmente, na pessoa do jogador Ricardo Pereira, vítima daquilo que poderíamos considerar um caso extremo de
ambivalência futebolística.
A neurose surge fruto da ambivalência entre os dois princípios. E isso é notório numa equipa em que milita um jogador como Pedro Barbosa (o homem que Quinito desejou um dia ter no seu jardim a comer croissants), elemento claramente governado pelo princípio do prazer, por oposição a um Hugo, cujas limitações futebolísticas remetem de modo evidente para o princípio da realidade.
Este desequilíbrio de energias tem o seu epicentro em Ricardo, que padece da neurose de quem não consegue resolver este conflito entre duas vontades antagónicas: defender com ou sem luvas? Sair ou não ao cruzamento? Socar ou agarrar a bola? No passado dia 14 de Maio de 2005 tivemos a oportunidade de assistir, em directo, a mais um surto neurótico desse jogador que, perante a “
angústia do cruzamento”, se deixa antecipar na pequena área a Luisão e, a seguir não faz melhor do que reclamar “mão” (???) e depois, já “a frio” (não o tornou mais clarividente) afirmar ter sofrido falta (indício de perturbação delirante, uma vez que Ricardo só poderia ter sido carregado em falta por uma entidade divina ou por algo apenas presente na sua mente).
Figura 2
Temos tido, ao longo dos tempos, provas irrefutáveis de que, no futebol, o princípio da realidade se sobrepõe ao princípio do prazer: na época 1964/65 o Dínamo de Bucareste subjugou, à custa de uma sólida “teia defensiva” liderada por Cornel Popa (e lançamentos rápidos para Constantin Fratila e Lica Nunweiller), a equipa do Dinamo Pitesti (vide figura 2), com nomes como Corneanu, Barbu e Dobrin, lançando esta última numa espiral descendente que apenas terminou num tristonho 8º lugar na classificação.
Figura 3
Temos ainda o recente exemplo do clássico MTK-Ferencváros da época pretérita, em que a dupla Kanta-Illés (cfr. figura 3 - o rei Illés) foi completamente manietada pelo “mural” do Ferencváros, constituído por Bognár e Vukmir. Estes dois exemplos do futebol de leste (marco fundamental em termos de pós-modernidade futebolística), separados por quatro décadas, demonstram a intemporalidade deste princípio. A época 2004/2005 do Sporting constitui mais um passo no alicerçar desta insofismável realidade, sobretudo após o episódio CSKA – em que foi notório como o contra-ataque dos russos trouxe a equipa de Peseiro, em 20 minutos, à realidade. Regido pelo prazer puro e simples, numa óptica quase diletantista, este treinador-narcísico procurou atingir a glória suprema em todas as frentes. Acabou vergado por um cruel Superego, à mão de conceptualistas cínicos como Gazzaev ou Trapattoni, vendo assim negada a consubstanciação dos seus desejos mais primitivos. Resta saber se Peseiro recuperará dessa “ferida narcísica”, ou se enveredará por uma rota destrutiva (dominada pela pulsão de morte, ou
thanatos) como a do seu colega Luís Campos, o Desconstrutivista.
Tudo parece que apostou na segunda via, recorrendo a um dos mais primitivos mecanismos de defesa – a negação. Peseiro, ao procurar (nas suas palavras) um maior “pragmatismo” no Sporting, pretende ao fim de contas recalcar os seus próprios desejos libidinais de uma equipa com um futebol lascivo, quiçá luxuriante. Ora isso só pode resultar nos sintomas neuróticos que temos vindo a constatar nos últimos jogos. Todos pudemos observar o “lateral-esquerdo” Polga que, num processo de conversão histérica, deixou de saber fazer um simples corte.
Resta saber como irá Peseiro lidar com os seus fantasmas primitivos e com a frustração sistemática da sua libido perante um universo futebolístico marcado pelo pensamento Mourinhiano, novo paradigma do futebol pragmático. Citando outro pós-moderno (ainda que ligado a uma corrente menos escolástica), Jaime Pacheco,
“vamos jogar ao ataque, fechadinhos cá atrás”.