27.10.04

CARTAS DOS LEITORES PÓS MODERNOS

Directamente do bairro londrino de Pimlico, epicentro de discussão nihilista, pós moderna e pós estruturalista, é com enorme prazer que apresentamos uma breve monografia de Ernest Lottin Ebongué, escrita por um homem que dispensa apresentações, um pós moderno total, tal como nós: José Meirinho. A ele o nosso mais sincero "obrigados".


Ernest Lottin Ebongué festeja um golo ou foge assustado do místico Roger Milla, na Taça CAN 84.

Sempre existiram futebolistas que ao longo dos tempos tiveram um papel importantíssimo nas suas equipas mas que nunca tiveram o devido reconhecimento da massa adepta. Temos o exemplo da importância de Paulo Bento o Homem-Invisível, ou de Marito também ele quase invisível. Na verdade estes jogadores eram autênticas traves mestras nas suas equipas. O mesmo acontece com a pós modernidade: por vezes não reparamos naqueles que contribuíram para alicerçar o pós modernismo no futebol português. Ebongué é sem duvida um desses jogadores. De facto, Ernest Lottin Ebongué conferiu ao futebol lusitano uma dimensão internacional que apenas surpreende os mais incautos. Após uma brilhante participação no Mundial de Espanha em 82 onde foi suplente não utilizado pela selecção dos Camarões, marcou um dos três golos com que a sua selecção venceu a Nigéria na final da CAN-84. Com o curriculum enriquecido, foi resgatado ao Tonnerre de Yaoundé pelo Vitória de Guimarães no ano de 1988. Depois do estrondoso sucesso da tripla N'Dinga M'Bote, N'Kama Monduone e Basaúla Lemba, o Vitória tentava encontrar mais pérolas africanas para abrilhantar o seu plantel. A pujança do avançado camaronês valeu-lhe onze presenças e um cartão amarelo na equipa treinada por René Simões e pelo carimbo de António Oliveira.
O fulgor competitivo e o instinto de matador anestésico levaram os olheiros do Varzim, sempre atentos e também à procura da circularidade repetitiva da fórmula Lufemba-Vata Matanu Garcia, a oferecerem três anos de contrato a esta gazela africana. Até 1990 permaneceu ligado aos Lobos do Mar, acalentando a esperança de uma convocatória para a mítica equipa dos Camarões que maravilhou o mundo intelectual e pós moderno no Mundial 90. Contudo, a pouca projecção do Varzim no panorama do futebol europeu, levou-o a mudar de ares, sempre ascendetemente, para a pós industrial Vila das Aves. 23 jogos e 3 golos depois, este lion indomptable, qual cidadão do mundo, não se ficou por Portugal: homem de grandes desafios, possuidor de um espírito nómada e imediatista, rumou para a aliciante Liga Indonésia onde concretizou 11 golos na época de 1996/1997 ao serviço do gigante PKT. Pelo meio, em 1993, foi visto por um produtor de salpicões a treinar-se no Lamego.

18.10.04


Salgado & Veiga: queremos disco ao vivo.

A NIVELEIDA
Breve opúsculo sobre o pós Benfica-Porto.
Augusto Justo, emigrante

Não é apanágio desta ágora de profícua discussão tergiversar sobre minudências dos desafios do nacional maior de futebol. Nem é, em bom rigor, isso que ora se faz. Até porque o assunto em discussão não é menor, antes é gigante, do ponto de vista estruturalista, desconstrutivista, pós moderno e até um tanto ou quanto cósmico.
Falo, obviamente, das incidências discursivas do mais recente Benfica-Porto, autênticos espelhos da boçalidade grassante neste pedaço de terra pátria que é a nossa.
a) Salted Caroline
Comecemos pela análise do discurso de Carolina Salgado (que, a continuar assim, ainda se arrisca ao título de Pós Moderna do Séc XXI). Tal pérola discursiva foi-nos oferecida na forma de cartaz – um formato levemente panfletário – dirigido a Luís Filipe Vieira. Dizia o dito cujo cartaz: “Ò Orelhas, estou aqui.” Se isto não é poesia, eu sou o Joey Ramone. Antes de tudo, leve crítica à “menina” Carolina: porque não sermos mais imaginativos e dizer “Ò Dumbo, estou aqui”, ou “Ò Luís dos Pavilhões, estou aqui”? A metáfora é sempre uma arma muito mortífera. Já dizia o ditado: “ a cantiga é uma metáfora”. Carolina deu espectáculo (pelos vistos, nada de novo nela, bem habituada ao show-bizz e às luzes da "ribalta"), ao mostrar ao país a classe, savoir faire, poesia inata, elegância e sobretudo pujança intelectual daqueles cabelos loiros. Pós Modernas assim queria eu plantá-las no meu quintal. Florbela Espanca que se cuide. Nota 5 em 5.
b) Golden Pussy
José Veiga viveu 23 anos no Luxemburgo, pensa que isso desculpa quase tudo, mas tal facto não lhe dá o direito de falar assim. Eu fui professor na universidade de Bayreuth durante três anos, não pesco népia de alemão, logo, não o falo. Veiga, por muito que tente, não consegue articular quatro vocábulos sem dar um pontapé na gramática. Se a gramática fosse futebol, Veiga seria um Roberto Carlos. Aquele ar de incrível serenidade confere-lhe, porém, um estatuto quase doutoral, uma espécie de Mario Conde da bola. Ontem, porém, o espectáculo linguístico atingiu níveis quase olímpicos quando se referiu à questão do “pito dourado” ser, agora, um “pito azul”. A manifesta inépcia para pronunciar correctamente a palavra apito pode valer-lhe quer pesadas sanções internas, pelo uso de expressões obscenas (sobretudo se conectadas com o mesmo champagne que ele não bebe) quer a estupefacção geral da imprensa anglófona. É que, em bom inglês, língua que Veiga domina melhor que a sua, o que ele disse foi que “The Golden pussy is now a blue pussy”. Quem lê isto, ainda pensa que estamos no meio dum filme do James Bond em que a Pussy Galore volta a aparecer. E se calhar até estávamos, e eu é que já não percebo a ponta de um corno de cinema.
Nota 5 em 5.

14.10.04


Do I need to say more?

OS TRÊS FFF ou UM DESABAFO MUITO PESSOAL DE QUARLOS EIRÓS
por Quarlos Eirós, crente.

Fátima:
Anteontem fui a Fátima orar pela selecção nacional. O desconfortante empate no sábado aumentou a minha crença que Zeus Nozzo Zenhor quer muito pouco com a portugalidade futebolística. Como se o primeiro F quisesse saltar fora. Fui a Fátima e pedi pelo CrisNaldo, acendi 608 velas e um maçarico pelo Ricardo e pichei o a parede do Santuário com uma interpretação pessoal cubista da Virgem de Caravaggio. Afinal, e tal como a Sagres, ela é uma padroeira da Selecção.

Futebol:
Prometi também beber uma Sagres de meio litro por cada golo da Selecção. Hoje ao acordar não via do olho esquerdo, sem razão aparente, não consegui ler o meu Lipowetsky matinal, e a minha mulher, Gertrudes Steiner Eirós, não me fala e acusa-me de ter andado a jogar à bola com o meu cão, Aristóteles, que apareceu morto. Aparentemente terá sido pontapeado várias vezes. Estranho.
O jogo foi bonito de se ver. Cada tiro, cada melro. A Art-Deco deriva do nome de Anderson Luís de Souza, portuguesmente nascido em S. Bernardo do Campo, Famalicão, a 27 de Setembro de 1977. Aplica-se a um estilo que, iniciado por volta de 1997-98, só atingiria seu pleno desenvolvimento cerca de dois anos mais tarde. Trata-se de um estilo decorativo, e como tal de presença marcante no de-coração de todos os estetas do futebol.
A Art-Deco encontrou-se com o expoente máximo do desconstrutivismo canibal russo, em clara negação com a escola geométrica e metódica de Lobanovski. Se fosse no tempo deste Gigante, a Rússia poderia estar a levar 14 secas que ele nem se mexia. Yartsev tem um estilo mais próximo de Jaime Pacheco que de um Ossip Mandelstam. Mas pronto, o que interessa é que ganhamos.

Fado
E ao vir para casa, com três litros e meio de cerveja no bucho, cantarolava um fadinho futebolês, importalizado depois de uma famosa derrota contra a Espanha, nos idos dos anos trinta: "se a selecção trabalha/ como eu quero/ agora é que não falha/ nove a zero". O meu país, tão surrealizado por aí, ontem fez mais sentido.

10.10.04


Painel de Homenagem a Ricardo, o Roy dos Frangos.

O MAIOR DE TODOS NÓS
Por Aurélio Lischtenstein, pintor.

No dia em que Jacques Derrida nos deixa, a selecção nacional de futebol dá mais um exemplo brilhante de autofagia, evocando o lendário empate com Malta no estádio dos Barreiros, a 29 de Março de 1987. Com efeito, a selecção lusa deu uma forte dentada no seu adutor ao conseguir um glorioso empate com a selecção do Liechtenstein (obrigado Vaduz), graças à magia total e pós modernidade plena do seu (nosso?) guarda redes: o mítico Ricardo. O maior de todos nós, um homem que consegue por uma nação inteira a rir. Qual Gato Fedorento, qual quê. O Aviário do Montijo, como é apodado carinhosamente por um desconstrutivista português, deu-nos a maior gargalhada que há memória e garantiu, ad eternum, um lugar na História e medalha de ouro naqueles momentos de ridículo desportivo que passam sempre a trinta e um de Dezembro. Seja no monumental frango que sofreu, (“um capão”, como disse o meu Avô) seja na reacção pós golo, expressando irritação com o Cosmos e com a defesa portuguesa que o comprometeu, claro.
Ricardo entrou hoje na galeria dos mitos vivos do futebol português. Com ele na baliza, a ideia de segurança que transmite assemelha-se àquela que sentimos no meio de um canavial de bambu quando por ele passa o furacão El Niño. Silvino e Neno já têm um sucessor à altura, um verdadeiro ilusionista, um homem das belas artes: Ricardo Alexandre Martins Soares Pereira. A pós modernidade agradece. E a arte oferece-se-te.


Para mais tarde recordar, mostrar aos filhos e aos netos, aqui se imortalizam os onze que subiram ao relvado do Estádio de Rheinpark. Atente-se no nome do Árbitro e pense-se no titular da baliza portuguesa. Tem tudo a ver, não? O Ricardo é-o.
Liechtenstein: Peter Jehle; Michael Stocklasa, Telser, Daniel Hasler e Cristoph Ritter; Martin Stocklasa, Raphael Rohrer (46’ Roger Beck), Andreas Gerster (88’ Ronny Buchel) e Thomas Beck; Mario Frick (90’ Daniel Frick) e Franz Burgmeier
TR: Martin Andermatt
Portugal: Ricardo; P. Ferreira, J. Ribeiro, R. Carvalho e J. Andrade; Costinha (46’ Tiago), Maniche e Deco; Simão (56’ Petit), C. Ronaldo (61’ H. Postiga) e Pauleta.
TR: Scolari
Árbitro: Novo Panic (Bósnia)
Árbitros-auxiliares: Miroslav Miric (Bósnia) e Mojo Tutun (Bósnia)
Quarto-árbitro: Rusmir Mrkovic (Bósnia)


Golos: 0-1 23’ Pauleta; 0-2 30’ Daniel Hasler (ag); 1-2 48’ Franz Burgmeier; 2-2 76’ Thomas Beck