28.4.05


Rose e Ernest Lottin: os Ebongués marcam pontos.

SON OF A FISH KNOWS HOW TO SWIM
por Augusto Justo, camarão.

Numa altura em que Bento XVI nos alerta contra os perigos do relativismo, dou por mim a deglutir uma sandes de coirato no Bigodes, em Alcobaça (aberto 24 horas) e a cogitar no ensinamento do senhor meu pai que, não sendo Papa, nem para lá caminhando, me alertava para o mesmo. Nisto, acerca-se de mim um admirador que me diz, apenas e só “Justo, a pós modernidade é mais um estado de espírito que um facto civilizacional”, antes de pedir uma cerveja e se fazer à estrada. Será mesmo assim? Estaria eu enganado ao longo destes tempos todos? O pós modernismo no futebol português não existiria mesmo? Teria eu gasto hectolitros de saliva em palestras, cartuchos imensos de uniball eye em opúsculos diatribais? Lembrei um jantar em Moimenta da Beira com Beckenbauer e José Gil onde só falamos da pós modernidade e, ainda por cima, sempre em alemão. De imediato, liguei a Lippi Marques a explicar-lhe a minha angústia, que estava mesmo a descair para Kierkegaard e Stig Dagerman. Marques, esse génio, tratou de me sossegar, dizendo que “a pós modernidade – pelo menos no futebol – existe. Niilismo e cepticismo são mesmo as suas pinceladas fundamentais, a fazer lembrar a Veneza pintada por Canaletto, acoplada de um misto de surrealismo daliniano com as reviengas de António Folha”. E a prova mais que viva do que me dizia encontrava-se a escassos quilómetros da Póvoa do Varzim, esculpida sob a forma sibilina de uma mensagem, de uma advertência para o emergir de uma nova categoria conceptual, oferecida à Humanidade por um grande vulto pensador da pós modernidade nos relvados. Falo, como é do conhecimento generalizado, de Ernest Lottin Ebongué e da sua filha Rose Ebongué. O artigo inteiro pode ser lido e relido aqui, impondo-se nesta agora e agora uma análise depurada ao esquematismo messiânico, conceptual e semiótico desta pérola.
Começa-se por saber que “Rose Ebongué nasceu nos Camarões e é filha de uma antiga glória do Varzim nos anos 80, Ebongué”. Nada de anormal, não fosse o facto de Ebongué ser considerado uma glória dos grandes lobos do mar. Lufemba, Vata, Rui Barros e Baltemar Brito, sim; Ebongué nem por isso.
Ficamos informados que Rose “Joga na equipa do Argivai, segunda classificada no campeonato Inter Freguesias, onde tem dado nas vistas” e que “tem algumas feições do seu pai pelo que “o treinador Armando Magalhães compara-me a ele””, e que “para a atleta o futebol “é uma paixão e se não comecei a jogar mais cedo, foi porque o meu pai não quis. Ele dizia que o futebol não era para meninas.””: Ora aqui reside a primeira parte de um fulcro propulsor de toda a pós modernidade do novo conceito que Ebongué – critico sistémico e pai tirano, como se sabe – traz ao crepitar da fogueira do futebol, recorrendo a uma asserção colossal para o entendimento deste desporto, dita nos campos, berrada pelos treinadores, murmurada nos balneários, cantarolada pelos adeptos e sistematizada nos Prolegómenos de toda a Futebologia Futura (ainda no prelo) por mim mesmo: o futebol não é para meninas. Se Ebongué afirma isto e tem uma menina que joga futebol, mergulhamos quase inconscientemente no domínio da androginia no desporto rei. É essa a mensagem que Ernest Lottin nos está a fazer ver. Ora, tal conceito, para além de proficuamente inovador é um conceito remissivo que nos transporta para a equipa dos cabelinhos do Sporting, 1993-94, e evocar grandes pioneiros do fenómeno andrógino, a saber, Figo, Paulo Sousa, Cadete, Paulo Torres, Capucho, Filipe, Amaral e Emílio Peixe, inter alia. Estará Ebongué a alertar-nos para a androginização total do futebol homónimo? Poderemos daqui a uns anos ouvir o onze da selecção nacional e ficar a saber que a baliza é ocupada por José Maria José e que a média esquerda vai estar uma Cristiana? As dúvidas parecem dissipar-se quando o pai, pela boca da filha afirma que “agora joga-se mais pelo dinheiro do que pelo amor à camisola. No tempo do meu pai [no tempo de Ebongué] viam-se grandes jogos e ele recorda de vez em quando esses tempos, dizendo que lhe custa muito ver o que certos jogadores estão a fazer dentro do campo [bold nosso]”. Ebongué, sempre humilde, revela-se como um prisioneiro do seu próprio conceito, uma vez que tem uma menina que joga futebol, esse desporto de homens, cada vez menos de homens. A metrossexualidade veio para ficar e o futuro é a indistinção do género, nas sábias mensagens de Ebongué. Pensemos hoje nos cabelos de Rogério Matias, evoquemos o penteado de António Borges, chamemos à colação David Beckham, João Pereira, Maurício Pinilla, Maxi Lopez, Maniche 1 e Maniche 2 e facilmente concluímos que Ebongué tem, mais uma vez, razão. É caso para nos unirmos a Damon Albarn e cantarolar Girls who are boys / Who like boys to be girls / Who do boys like they’re girls / Who do girls like they’re boys / Always should be someone you really love.