23.6.04


Carlos Secretário: um intelectual total.

O NEO-CROONER SECRETÁRIO
por Quarlos Eirós, ex-espanhol

“Abençoado D. Afonso Henriques que nos livrou dos espanhóis! As armas e os barões assinalados, cantámos.
No campo, jogamos todas as nossas armas com muita força e muita vontade, demos o tudo por tudo.
Olés! Proclamámos, somos Portugal! Espanhóis, as nossas montanhas protegem-nos dos ventos… Afinal, de Espanha nem bons ventos, nem bons casamentos.(…)”

O Autor destas filigranicas linhas de prosa, publicadas na edição de 21.6.04 do jornal Record, é o agora cronista e comentador Carlos Secretário. Figura ímpar do nosso futebol, o seu percurso foi já neste espaço aflorado (Transferências Épicas do Futebol Português). Supreendente, sim, é a concepção metodológica aglutinante que Carlos Secretário utiliza na sua escrita. Independentemente de o considerarmos um desconstrutivista durante o período em que representou FC Porto, Real Madrid e Selecção (desconstrutivista dentro e fora de jogo), Secretário oferece-nos nestas linhas uma das maiores maravilhas do discurso estruturalista, aliada a uma visão pop supinamente apurada e a um olhar rapace do ponto de vista geo-estratégico.
Como todos sabemos, o estruturalismo, metodologicamente, analisa sistemas em grande escala examinando as relações e as funções dos elementos que constituem tais sistemas. Secretário herda de Levi Strauss a capacidade de conectar, in casu, o Afonso Henriques, por nos ter livrado dos espanhóis e o primeiro cântico (“cantámos”) dos Lusíadas, que, como sabemos, canta os homens ilustres (assinalados). Secretário mostra-se íntimo de Luís Vaz e mesmo até de um Ferdinand Saussure ao fazer uma traçar clara diacronia entre Afonso Henriques e Luis Vaz de Camões, na plenitude dialéctica da Portugalidade, num claro piscar de olho a Eduardo Lourenço. Contudo, e numa atitude próxima do situacionismo de Dèbord e Vannegheim, Secretário provoca tudo e todos (tal como fazia dentro de campo) ao iniciar o terceiro parágrafo com um “Olés”- um espanholismo - imediata e antagonicamente contraposto ao magistral (e pedra de toque de todo o seu texto) “Proclamámos, somos Portugal”. De seguida, a genialidade volta a brotar da pena deste escriba, com uma fúria niagárica, ao dirigir-se em discurso directo ao público alvo espanhol (“Espanhóis, as nossas montanhas protegem-nos dos ventos…”), ensinando-lhes, quase em estilo peripatético que as nossas montanhas (Gerês, Estrela, por exemplo) nos protegem do seu (deles, espanhóis) sopro eólico, em claro exercício geo-estratégico. E, nada melhor do que um mergulho na pop-culture (depois de uma densidade intelectual desgastante nos dois primeiros parágrafos), como que a querer abranger o mais vasto público possível, mediante recurso ao proverbial “de Espanha, nem bons ventos “–o vento este e a porcaria da nortada que nos dá cabo das praias – “nem bons casamentos”- numa clara crítica ao mau espectáculo bodal protagonizado por Letizia e Felipe, num velado desaconselhar das inter-relações entre portugueses e espanhóis, sob pena de perdermos a nossa identidade, sob pena de não mais podermos – como Secretário o fez – abençoar D. Afonso Henriques por nos ter livrado dos espanhóis.
Em suma, temos génio. Parabéns ao jornal Record, por acolher estas linhas profundas de reflexão e sentido da Portugalidade, parabéns a Secretário por ter mostrado que é, sans doute, um intelectual no pleno caminho da pós modernidade.

21.6.04




SEGUNDA CARTA ABERTA A FILIPE SCOLARI:

Caro Lipe:
Agradeço-te, antes de tudo, o facto de teres procedido à hermeneutica das minhas palavras, descortinando o seu profundo sentido: a obsolescência anacrónica da modernidade e a necessidade de trilharmos um caminho novo. Ainda bem que os meteste a jogar, pá; e obrigado por lhes teres dito que, com alma, a gente consegue. E nós já não tinhamos alma desde os tempos do Humberto Coelho, esse Chomsky da bola. Pedia-te, encarecidamente, o teu telefone (só tenho o teu de casa), de modo a mandar-te alguns sms durante o jogo, para rectificares uma ou outra situação. Não te esqueças de manter os extremos em constante troca. Ah, já percebeste porque é que o Ricarvalho é o melhor central do mundo?
Um abraço e força nisso, miúdo,
Augusto Justo

18.6.04

Breves Considerações Fenomenológicas sobre a Selecção Portuguesa no Euro 2004
Por Augusto Justo, metatársico

Chegou o Euro e com ele a festa da pós modernidade. Lyotardianos, Lipowetskyanos e mesmo até alguns Prados Coelho passeiam-se pelas ruas, bebem as nossas cervejas e boçalizam-se connosco. Como presidente deste blog, tive a oportunidade de assistir in vivo às duas partidas da nossa portuguesische mannschaft. É sobre a condição pós moderna da Selecção Portuguesa que versa este ensaio.


Deco sim, pois claro.

1- CARTA ABERTA A FILIPE SCOLARI
Caro Luís(z) Fe(i)lipe Scolari:
Como tu bem o sabes, Lyotard rejeitou, sumariamente, a noção de Diskurs ou de consenso racional, afirmando que, com a desintegração da modernidade, o valor da nova consciência (pós-moderna) tornou-se destoante enquanto princípio de orientação. Mas tal repto à doutrina habermasiana da modernidade ganhou notoriedade como uma argumentação acerca da falta de credibilidade das concepções universalistas. Mete o Deco, o Crisnaldo e o Ricardo Carvalho de início e deixa-te de merdas, pá.
Um abraço,
Augusto Justo.



~Em caso de derrota,uma alheira de Mirandela em cada janela.

2- OS METADISCURSOS
“A impossibilidade de se submeterem todos os discursos (ou jogos de linguagem) ao domínio sintetizador de um metadiscurso, domínio esse universal e consistente, faz com que todos os dias tenha que beber três cafés logo pela manhã. Em homenagem ao nosso futuro ex-seleccionador, deixei crescer o bigode. Depois da derrota com a Grécia, tirei a bandeira da varanda e, pendurei em seu lugar, uma alheira de Mirandela.” As palavras pungentes de Quarlos Eirós levam-nos a pensar se
a) Scolari tem bigode?
b) Scolari percebe de futebol?
c) por 1200 Euros por mês fazia melhor que o brasileiro e ainda cortava a relva do centro de estágio.
d) o Metadiscurso é o Deco?
e) o Deco é de Mirandela e não come alheiras?


A mulher de Smertin: não admira que ele queira voltar para casa.

3- TREINADOR DE BANCADA
“O novo Zeitgeist tem-se apoiado, sobretudo, na hipótese da não-contiguidade.” A nossa selecção não é nada contígua. Fica-se com a clara sensação que, se houvesse fase de qualificação para nós, nem no nosso próprio europeu estaríamos presentes, o que seria um factor fenomenológico de interessante estudo, um pouco à semelhança de Jacques Monteiro, esse grande pós moderno que, nas suas festas de anos, não se convida e muito menos se faz de convidado.
No lugar da exterioridade crítica – estratégia protocolar moderna – os jogos de treino com trezentas substituições e a convocatória de Rui Jorge esbateram as linhas de fundo que outrora eram claros horizontes. Há, claramente, um sentido de ruína a pairar no ar. Pluralismos trôpegos passaram a infestar este cenário. Cada português tem um Sven Goran Eriksson dentro dele. E mesmo o nosso seleccionador parece ser dos treinadores de bancada mais bem pagos do mundo. As implicações dessa postura, no caso do jogo contra os gregos, chegaram a ser avaliadas por alguns como ‘catastróficas’. É o que afirma, por exemplo, o citado Jacques Monteiro na sua apresentação do pensamento baudrillardiano:

“As catástrofes parecem representar (…) tanto a rebelião do mundo dos objectos contra as leis, expectativas e desejos do sujeito, quanto a tendência deste – e da natureza – a excederem a si próprios, a produzirem, espontaneamente, o espectáculo, a descambarem para o catastrófico.Eu já tirei a bandeira e, a partir de agora, verei sempre os jogos de Portugal com as mesmas cuecas que trazia no dia do jogo contra a Rússia.”


Scolari:Luiz Felipe, Luís Filipe, os dois ou nenhum?

4- EMBANDEIRAR EM ARCO
Charles Baudelaire disse um dia que "a modernidade é o transitório, o fugidio, o contingente, é uma metade da arte, sendo a outra o eterno e o imutável." A equipa de todos nós atingiu, clara e coerentemente, o seu esplendor pós moderno e circular, na exacta medida em que voltou ao seu “quietismo tanático” que houvera abandonado na era Humberto Coelho. Somos medíocres, claramente, mas a nossa mediocridade é superadora na exacta medida em que nos cremos os melhores do mundo. Eis os precisos limites do conceito de Embandeirar em Arco, que toca na Velosiana “tão depressa o sol brilha como a seguir está a chover” e que nos faz maldizer vernacularmente a nossa equipa depois da tragédia grega e apregoar aos quatro ventos a conquista do europeu depois de uma vitoriazinha contra a Rússia.