Carlos Secretário: um intelectual total.
O NEO-CROONER SECRETÁRIO
por Quarlos Eirós, ex-espanhol
“Abençoado D. Afonso Henriques que nos livrou dos espanhóis! As armas e os barões assinalados, cantámos.
No campo, jogamos todas as nossas armas com muita força e muita vontade, demos o tudo por tudo.
Olés! Proclamámos, somos Portugal! Espanhóis, as nossas montanhas protegem-nos dos ventos… Afinal, de Espanha nem bons ventos, nem bons casamentos.(…)”
O Autor destas filigranicas linhas de prosa, publicadas na edição de 21.6.04 do jornal Record, é o agora cronista e comentador Carlos Secretário. Figura ímpar do nosso futebol, o seu percurso foi já neste espaço aflorado (Transferências Épicas do Futebol Português). Supreendente, sim, é a concepção metodológica aglutinante que Carlos Secretário utiliza na sua escrita. Independentemente de o considerarmos um desconstrutivista durante o período em que representou FC Porto, Real Madrid e Selecção (desconstrutivista dentro e fora de jogo), Secretário oferece-nos nestas linhas uma das maiores maravilhas do discurso estruturalista, aliada a uma visão pop supinamente apurada e a um olhar rapace do ponto de vista geo-estratégico.
Como todos sabemos, o estruturalismo, metodologicamente, analisa sistemas em grande escala examinando as relações e as funções dos elementos que constituem tais sistemas. Secretário herda de Levi Strauss a capacidade de conectar, in casu, o Afonso Henriques, por nos ter livrado dos espanhóis e o primeiro cântico (“cantámos”) dos Lusíadas, que, como sabemos, canta os homens ilustres (assinalados). Secretário mostra-se íntimo de Luís Vaz e mesmo até de um Ferdinand Saussure ao fazer uma traçar clara diacronia entre Afonso Henriques e Luis Vaz de Camões, na plenitude dialéctica da Portugalidade, num claro piscar de olho a Eduardo Lourenço. Contudo, e numa atitude próxima do situacionismo de Dèbord e Vannegheim, Secretário provoca tudo e todos (tal como fazia dentro de campo) ao iniciar o terceiro parágrafo com um “Olés”- um espanholismo - imediata e antagonicamente contraposto ao magistral (e pedra de toque de todo o seu texto) “Proclamámos, somos Portugal”. De seguida, a genialidade volta a brotar da pena deste escriba, com uma fúria niagárica, ao dirigir-se em discurso directo ao público alvo espanhol (“Espanhóis, as nossas montanhas protegem-nos dos ventos…”), ensinando-lhes, quase em estilo peripatético que as nossas montanhas (Gerês, Estrela, por exemplo) nos protegem do seu (deles, espanhóis) sopro eólico, em claro exercício geo-estratégico. E, nada melhor do que um mergulho na pop-culture (depois de uma densidade intelectual desgastante nos dois primeiros parágrafos), como que a querer abranger o mais vasto público possível, mediante recurso ao proverbial “de Espanha, nem bons ventos “–o vento este e a porcaria da nortada que nos dá cabo das praias – “nem bons casamentos”- numa clara crítica ao mau espectáculo bodal protagonizado por Letizia e Felipe, num velado desaconselhar das inter-relações entre portugueses e espanhóis, sob pena de perdermos a nossa identidade, sob pena de não mais podermos – como Secretário o fez – abençoar D. Afonso Henriques por nos ter livrado dos espanhóis.
Em suma, temos génio. Parabéns ao jornal Record, por acolher estas linhas profundas de reflexão e sentido da Portugalidade, parabéns a Secretário por ter mostrado que é, sans doute, um intelectual no pleno caminho da pós modernidade.