31.10.03


Maxime Bossis e Rui Jordão: pós modernos arroba Euro cátre van cátre.

COMPREENDER O PÓS MODERNISMO NO FUTEBOL

4 - SIGNO E SIGNIFICADO NO PÓS MODERNISMO

Pelo Professor Quarlos Queirós
(Extracto da Conferência proferida no I Encontro Nacional de Blogs Pós Modernos)

Se o neo-individualismo conduziu aos estádios semi vazios, à bomba atómica, à desmobilização, o que está a acontecer ao futebolista pós-moderno? Ele é o narcisismo acossado pela des-substancialização do sujeito. Vejamos como.
Em 24/06/84, o jornal Le Monde publicou uma análise à exibição do defesa francês Maxime Bossis na meia final do campeonato da Europa de Futebol, num jogo contra Portugal. Rezava assim a crónica “Eis o retrato jogado do novo egoísta em ação. Pragmatismo, cinismo. Preocupações a curto prazo. Vida privada e lazer individual. Sem religião, apolítico, amoral, naturista. Narcisista. Na pós-modernidade, o narcisismo coincide com a deserção do indivíduo cidadão, que não mais adere ao mitos e ideais de sua sociedade. Não conseguiu travar o endiabrado Rui Jordão." Este esboço contraria da cabeça aos pés o jogador moderno, aburguesado e de bigode (por exemplo, Fernando Chalana). Este jogador supunha uma identidade fixa e uma liberdade de movimentos total, aferrado ao esférico tanto quanto a princípios morais e diagonais cortantes e incisivas. Não havia entrosamento. Na perspectiva pós-moderna, espetáculo, simulação, sedução, constituem jogos com signos. A esse universo informacional, sem peso e desreferencializado, só pode corresponder um jogador informatizado, leve e adaptável a qualquer posição. Eis o princípio Armando Sá: joga a lateral, esquerdo ou direito. Eis o princípio João Manuel Pinto Sob o Comando de Bobby Robson: joga a central ou a avançado centro.

29.10.03


Vialli, Gullit e Makopoloka Mangonga: três monstros sagrados do futebol Pós Moderno
na Europa, no final dos anos oitenta.


COMPREENDER O PÓS MODERNISMO NO FUTEBOL

3 - UM ESPECTÁCULO PÓS MODERNO?
Pelo Professor Quarlos Eirós

Em meados dos anos 80 o pós-modernismo chegou aos jornais e revistas, caiu nas bocas da população. Nomes como Jan Ceulemans, o demónio belga, Michel Platini, Pierre Littbarsky, Jaime das Mercês, Igor Belanov, António Borges, Gianluca Vialli, Forbs, Chiquinho Carlos, Mangonga ou Ruud Gullit tornaram-se familiares aos olhos do cidadão mediano. Um novo estilo de jogo com mecanismos e ideias, gostos e atitudes nunca dantes badalados, coloridos pela extravagância e o humor (vide a revienga que Maradona sempre utilizava ou mesmo as fintas de corpo de Nando Chalana e Vermelhinho), surgiram por toda parte, fazendo com que o jogador pós-moderno consuma o futebol como um jogo personalizado de bens e serviços. O hedonismo - moral do prazer (não de valores) encontrado na satisfação aqui e agora - é a sua filosofia portátil. Mandar o árbitro para aquela parte, insultar a mãe do defesa esquerdo adversário, tentar acertar com a bola num espectador com cara de otário, ser avançado centro e fazer cerca de 145 jogos em 5 anos na primeira divisão portuguesa e marcar uma média de 4,875 golos por época, são modos de exercício dessa mesma satisfação narcisista, libertadora e pós moderna, tal como fazer duzentos quilómetros para comer uma bifana mal passada no Bigodes, perto de Leiria.

28.10.03


Robby "Il Codino" Baggio:
Um rabo de cavalo claramente pós moderno


COMPREENDER O PÓS MODERNISMO NO FUTEBOL

2 - A SEDE DE ESTRELATO
Pelo Doutor Augusto Justo

A situação profissional dos jogadores e a sua rápida passagem de heróis locais a estrelas internacionais é preocupante. Ainda ontem passei por um puto de 15 anos na rua, apresentei-me como empresário da bola e garanti-lhe que daqui a três anos é júnior do Real Madrid. Falei-lhe de grandes feitos, disse que o Cris Naldo só está onde está também por minha causa, e rematei dizendo “Puto, tu vais ser um herói”, tendo, de seguida, falado de artistas que se imortalizaram com obras inesquecíveis. Disse-lhe também que trato o Baggio por tu e expliquei-lhe (ao puto) que gajos como ele (Baggio), “não podem ser humanizados, porque são quase deuses quando jogam. Toques de génio por semideuses atléticos são saudados como actos de revelação por uma multidão de mortais no alto das arquibancadas. Esta sociologia do futebol está munida de bons recursos metodológicos e de rigor científico”. E o puto perguntou-me: “senhor doutor Justo, o que é uma arquibancada? Quem são os metodológicos?”

27.10.03


Paulo "Y Tu Manela, quanto ganhas?" Futre:
Fintava 8 gajos numa cabine, mas raramente conseguia sair dela

COMPREENDER O PÓS MODERNISMO NO FUTEBOL

1- O EXEMPLO de BERLIM
Pelo Professor Quarlos Eirós

Caminhava eu por Potsdammer Platz quando um rapaz me chutou uma bola. “Passa”, disse ele em alemão, tendo eu percebido “remata, fuzila, se és homem”. Assim o fiz. Estoirei a bola para bem longe dali (Salvador) e, pelos vistos, terei partido um vidro, a crêr no barulho caquejante e tilintante que me chegava ao ouvido. Jean-François Lyotard no seu belíssimo elogio da pós-modernidade diz que : "Não podemos mais recorrer à grande narrativa - não podemos apoiar-nos na dialética do espírito (...) para validar o discurso científico pós-moderno". A verdade é a parte e o vidro, lá está, parte; a fragmentação é o único caminho que pode reconciliar o indivíduo com a sociedade e, claro está, com o futebol. Isso é o que parece proclamar Lyotard em sua fúria para destruir a herança do Iluminismo de Vittorio Pozzo e da sua Itália, bicampeã em 1934 e 1938. Lyotard argumenta que as concepções teóricas, as interpretações tácticas do adversário, são necessariamente coercitivas e dogmáticas e, pior que isso, as filosofias defensivas levam inexoravelmente a humanidade ao beco sem saída do zero a zero.
O crítico norte-americano Fredric Jamenson, no entanto, suspeita que a passagem do período moderno para o pós-moderno tenha significado a substituição da alienação do sujeito pela fragmentação do sujeito. Sustenta que essa fragmentação é, na verdade, o resultado das maravilhosas fintas de grandes nomes como Maradona, Paulo Futre, José Dominguez ou mesmo um António Folha, que pareciam partir-se em dois ou mais, confundindo adversários atrás de adversários. O clássico "fintar oito gajos numa cabine telefónica". Jamenson está preocupado com a incapacidade que o futebolista moderno tem em compreender o sentido do que aparece fragmentado. Eu, sinceramente, também. Foi então que fui ver a exposição da obra de Mies van der Rohe. Encharquei-me em cerveja nessa noite, e a La Salette nunca mais me quis ver. Nem vestido à colchonero.

20.10.03


Hitler Zico? Zico Tumba? De onde vimos?
Para onde vamos? Quantos somos em Barcelos?

HITLER em BARCELOS ou será Zico Hitler o misterioso Zico Tumba?
pelo prof. Quarlos Eirós


Mil novecentos e noventa e nove via chegar à pacata cidade de Barcelos alguém de nome Hitler. Num ápice, as pessoas recolheram às suas casas, temendo o pior. Iria este Hitler tentar anexar Vila Verde à cidade do galo? A urbe respirava o amargo odor do medo. Hitler em Barcelos: um facto inegável. Uma verdade que levantava uma questão: quem era Hitler? A resposta não se fez demorada. Hitler era o novo craque do Gil Vicente Futebol Clube. Hitler? Que Hitler? Como é que vamos fazer com as camisolas? Que número lhe havemos de dar? Indalécio Hitler Antunes Silva, eis o perfil possível de um obscuro jogador de futebol cuja carreira se dissolve na bruma do tempo.
Cidade da Praia, 4 de Maio de 1977. Cabo Verde respirava os primeiros ares de independência. No Hosptial Dr. Agostinho Neto, no Plateau, uma mãe dava à luz um robusto rapaz. Emocionado (a gravidez fora de risco) o pai promete nomenclar o filho de Idalécio, o nome do médico que acompanhou a gravidez da Sra Antunes Silva. Um erro no registo fez com que a criança ficasse com o nome de Indalécio. Um estigma que acompanharia o miúdo durante muito tempo. Mas faltava um nome. Um segundo nome. Um nome que depositasse indelevelmente no jovem Indalécio a marca de alguém admirado profundamente pelo seu (dele, Indalécio) pai. E não houve contemplações. "O puto há-de se chamar Hitler". E assim foi. Indalécio Hitler Antunes Silva. Prova cabal que há gente que tem coragem política e social de denominar nascituros pós 1945 com o nome de um monstro feito homem.
Indalécio Hitler Zico, é então, um futebolista obscuro que chega a Barcelos com 22 anos, 1,76, 71 kg, na época de 1999/2000 para jogar a médio ofensivo. Porém, os registos oficiais apenas dele dão conta na cidade minhota na época seguinte, e com a alcunha de Zico. Indalécio Hitler Zico, sénior do Gil Vicente Futebol Clube. Um sonho realizado: Barcelos tem um Hitler no Gil Vicente. Um reich gilista de mil anos?Não. A época não terá sido das mais felizes. No ano seguinte e nos posteriores, Hilter, vítima de um processo mais ou menos estalinista (curioso, não?), é apagado de todos os registos. Não consta dos ficheiros. Uma investigação árdua para indagar do paradeiro de Zico Hitler foi feita. Telefonemas para a Embaixada, para o Adelino Ribeiro Novo e ninguém sabe de Hitler. Uns até dizem que já morreu há mais de 50 anos. No entanto, e porque o pós modernismo oblige, não baixamos os braços.
Procuramos, incessantemente, uma pista de Hitler. Fizemos desta procura um objectivo, um goal, como dizem os ingleses. E, quase no fim da linha ténue qua divide o falhanço do desespero, ela surge: uma consulta aos anais do futebol europeu dá conta de um Zico Tumba que, passando pelo Gil vicente, rumou até à Holanda, a meio de 2000/2001, jogando, actualmente no Nec Nijmegen, equipa orientada pelo lendário Neskeens. Será ele (Zico Tumba) Hitler? Argumentos a favor e contra degladiam-se num combate inconclusivo. Pode ser que sim, pode ser que não. Aqui ficam todas as conclusões inconclusivas. Caberá ao leitor concluir se este Tumba é ou não o Hitler. Indalécio Hitler.

Argumentos contra:
- informações recolhidas junto do Nec Nijmegen dão conta que o Zico Tumba que por lá anda nasceu em Kinshasa (Congo) e não em Cabo Verde.
- A data de nascimento difere em 5 dias: Hitler Zico nasceu a 4 de Maio, Zico Tumba a 29 de Abril.
- As mesmas informações recolhidas junto do Nec Nijmegen dizem-nos que Zico Tumba, antes de para lá ir, passou pelo Metz em França e não pelo Gil em Portugal.

Argumentos a favor:
- Vários registos dão conta de um Zico Tumba no Gil Vicente, que no ano seguinte transita para o Nec. Seria difícil o Gil ter dois Zicos (um Hitler e outro Tumba, ainda por cima).
- A Holanda é um grande pólo de emigração caboverdeana. Zico, depois de falhar em Portugal, pode muito bem ter rumado para a Holanda.
- O Tumba que joga na Holanda é também, médio ofensivo (nº 20 do NEC)
- O nome Tumba. Se eu me chamasse Hitler e me apercebesse do mal estar que isso causaria em Barcelos, mudaria de nome, tentaria apagar os meus registos hitlerianos, mas manteria um traço tétrico, mórbido. Tumba seria uma mudança ideal.

REGRESSOS
Um dia este silêncio pós moderno
Te será explicado.
Saberás a razão
A lógica ontológica
Que manteve meu coração
Tanto tempo calado.

Augusto Justo, Outubro de 2003