15.7.05

Prelecção do Doutor Ghabri El'Alves ao público presente no Simpósio comemorativo do segunto aniversário do Futeblog-Total.



Doutor Ghabri El’Alves
Doutorado em Filosofia pela Universidade de Al-Raman, com a dissertação “O Pós-Modernismo no Futebol do Magreb Pré-Islâmico”,
Presidente vitalício do Instituto Magrebino de Altos Estudos Pós-Modernos no Futebol Islâmico (IMAEPMFI),
Member of the Board do International Post-Modernist Soccer Fund for Developing Countries,
Pederasta,

apresenta

Camarões vs. Argentina ou O Prenúncio do Pós-Modernismo no Futebol Sub-Saariano


É com incontida emoção que inicio a minha colaboração com esse grande e admirável fórum que é o “Futeblog Total”. Desde que me foi endereçado o convite, entre duas sandes de coirato e um traçado num coffee-break de um dos workshops preparatórios do simpósio comemorativo do 2.º aniversário, em Montalegre – no qual participo graças a um amabilíssimo convite do Professor Doutor Augusto Justo (meu conhecido, aliás, da Universidade de Al-Raman, onde muito nos prestigiou aceitando o cargo de professor convidado) – que não contenho a ansiedade. Devo dizer, em abono da verdade, que nos últimos três dias mal dormi e só consegui levar à boca uma buchazinha de sandes de frango com pimentos comprada num quiosque de duvidosa salubridade à entrada da faculdade.
O objectivo declarado do Professor Doutor Augusto Justo ao convidar-me para dar o meu modesto contributo neste grande fórum é, sem dúvida alguma, nobre: trazer novas perspectivas ao estudo do pós-modernismo no futebol, nomeadamente através do combate ao eurocentrismo – combate que na historiografia vem sendo travado desde os “Annales”, mas que tarda em chegar ao mundo do futebol.


Kamikazes e Camarões: quem foi o quê no Itália 90?

Nesta linha, proponho ao gentil público a análise de um dos momentos fundadores (havendo mesmo quem veja nele o turning-point ) do pós-modernismo no futebol sub-saariano: o jogo inaugural do Mundial Itália ’90 entre os Camarões e a Argentina.
Gravado a letras de ouro na memória colectiva está esse grande momento de afirmação da África pós-colonial e pré Kumba Ialaiana. A frieza da estatística revela-nos ter-se jogado no Giuzeppe Meazza, em Milão, na solarenga tarde de 08 de Junho de 1990 mas o que se passou em campo foi muito mais que isso.
Mais do que a Davidiana exibição camaronesa contra o fraco Golias sul-americano, o ponto que prenunciou o advento do pós modernismo no futebol sub-saariano foi a brilhante táctica do “torpedo africano”, introduzida pelos selecção dos leões, e que não mais saiu dos grandes manuais de futebol africano, seguidos em todas as academias de futebol do terceiro mundo, de Cidade do Cabo a Alcochete.
Escassos minutos antes do golo redentor com que François Omam Biyick (aos 67’) calou todo um continente que ainda sonhava viver na sombra do decadente Diego “El Charro” Maradona, numa prova de abnegação extrema e amor-pátrio desmedido, Andre Kana Biyick, ante a perspectiva de isolamento de um jogador argentino, lançou-se desenfreadamente na linha da trajectória deste e, quando o esférico já estava a mais de cinco metros, literalmente torpedeou-o, projectando o para fora das quatro linhas. O jogador, numa quase religiosa atitude, ergueu-se da relva e saiu calmamente do relvado com um sorriso digno da escola cínica da saudosa Grécia de Sócrates, Heraclito e Charisteas.
O efeito moralizador desta prova de abnegação foi imediato – seis minutos depois, Oman Biyick fazia levantar todo um continente com um golo de belo efeito.
Mas não é tudo. Numa demonstração de frieza táctica e disciplina férrea, a selecção camaronesa soube esperar pelo momento certo para aplicar uma vez mais a sua temível e mortífera táctica. Nos últimos 15 minutos de jogo, a Argentina literalmente bombardeava o último reduto camaronês, utilizando a conhecida táctica ocidental do “chuveirinho”. Todos temiam o pior. Mas mais uma vez, o “torpedo africano” não perdoou: aos 89 minutos, Benjamin Massing, qual chita em savana livre, lança-se sobre um médio argentino, deixa o prostrado no relvado contorcendo-se de dores, recolhe a sua chuteira que saltara com a violência do embate e sai lentamente do relvado, também com um leve sorriso, crivado de cinismo, sem sequer esperar pelo cartão que o juiz francês Michel Vautrot haveria de lhe mostrar segundos depois.
Hecatombe. Drama. Perón humilhado e o tango argentino desfeito.
O que veio a seguir todos conhecem: Mandela libertado, Kumba Ialá no poder, José Peseiro no Sporting.
Os camarões venciam. O campeão do mundo tombava aos pés do continente esquecido.