25.6.05

ESTRANHAS COINCIDÊNCIAS
Por Augusto Justo, Mefistófeles de Celorico.


Aqui há cerca de um mês, visitei a lombar cidade de Setúbal, para efeitos de proferir, na EB dois três de Aranguez, uma pequena palestra para a pequenada, subordinada ao tema “O Estruturalismo no Vitória de Setúbal dos anos 80: Errâncias e Sindicâncias”. Não contive a comoção quando proferi o nome do lendário Aparíco e fui surpreendido com uma belíssima salva de palmas de dois minutos por parte da pequenada. Quem sabe nunca esquece, pensei, enquanto os incitava à leitura de Prado Coelho, Jorge Valdano e Louis Althusser. Após esta conferência, onde até distribui um par de autógrafos e um par de galhetas a um miúdo da Bela Vista que me tentou roubar um livro de Kierkegaard, deambulei pela cidade, bebi um Moscatel no Novoreno, comi Choco Frrito (carregar no erre, como qualquer bom sadino) no Léo e deitei-me de barriga cheia. É então que, já no meu sétimo sono, como tocado pela providência divina, começo a sonhar com um verso de Fausto (Quadro 2, Cena 1), obra do imortal libero alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), numa tradução de Feliciano de Castilho:

Mestre em artes me chamo; inculco-me Doutor;
e em dez anos vai já que, intrépido impostor,
aí trago em roda viva um bando de crendeiros,
meus alunos... de nada, e ignaros verdadeiros.
O que só liquidei depois de tanta lida,
foi que a humana inciência é lei nunca infringida.


Reconstruí, oniricamente, a sinopse da obra e, qual não é o meu espanto quando, palavra após palavra, me aparecia o retrato de um ilustre sadino: José Mourinho, um mestre em artes (facto inegável) com um bando de crendeiros a gravitar em seu torno (os treinadores da nova vaga que se dizem seus amigos/inspirados/seguidores).
Facilmente concluí que estava a ter um pesadelo metafísico, talvez mesmo uma revelação qualquer. Minutos depois, e ainda no mesmo sonho vislumbrava o filme Faust - Eine deutsche Volkssage que F. W. Murnau filmou em 1926. Em pânico fiquei com a minha descoberta, sobretudo quando me aparece um de fotograma do referido filme: pelos vistos, desatei a berrar “vejam-se as semelhanças do actor Gösta Ekman e o treinador preferido de Abramovitch".



Inquestionável a semelhança entre Gösta Ekman (Fausto, aqui abraçado por Belzebu) e Zé Mourinho.

É então que sou acordado pela minha Idalécia, que me diz “Justo, ou te calas ou vais dormir para a sala”. Levantei-me e bebi um copo de Moscatel, acompanhado de um Mata Ratos que houvera roubado a um miúdo da escola onde estivera a palestrar nessa tarde.
Quando voltei a cair nos braços de Morfeu (ehehe, ganda perífrase), ainda de bafo quente, sou assolado pela segunda parte do sonho: livro e filme uniam-se num só e Luís Pereira de Sousa, vestido com o equipamento do Salgueiros, segredava-me ”o treinador campeão inglês tem um pacto com o diabo”, antes de me levar para a sala de imprensa das Antas, onde Mourinho discursava, dizendo “este ano não vamos ser campeões, mas para o ano de certeza que vamos ser campeões”. Sonhava de mim para comigo como é que Mourinho tinha tanta certeza disso. Quem – senão uma força oculta – lhe poderia garantir tal façanha? Rememorava o “alguém vai ter de pagar”, dito depois de uma anormal derrota na Supertaça europeia e as quatro balas com que brindou não o Trofense, mas sim o Sporting no domingo seguinte. Ele já sabia o que ia acontecer, sem sombra de dúvida. Relembrei ainda o “lá para finais de Abril celebramos a conquista da Premiership”, dito em Janeiro, num inglês com sotaque do Sado e o que se passou no dia 1 de Maio deste ano, no estádio dos Bolton Wanderers. Como diria a minha discípula Margarida R. Pinto, "Justo, não há coincidências": só uma força sobrenatural poderia estar por trás disto. E mais cri no que sonhava quando vejo Silvino Louro (setubalense, note-se), de livro aberto na cena 5 do Quadro 2 a dizer “ E Fausto disse então:

A quem já buscarei para instruir-me?
e de que hei-de temer-me?
É bem que eu ceda
ao meu impulso actual, ou que o resista?


Era a voz de Mourinho a falar na minha alma, por intermédio de Silvino Louro. O “de que hei-de temer-me” ecoava vezes sem conta e uma visão psicadélica do retrato de Alex Fergusson ou mesmo de Anders Frisk apareceu no meu sonho.
De repente, vejo Adrian Mutu a celebrar um golo e depois a chorar convulsivamente enquanto Mourinho, vestido à Fausto, lhe dizia ao ouvido:

Sou o espírito
que estorva sempre. E com razão, pois tudo
quanto nasceu merece aniquilado;


Acordei encharcado em suor e a minha Idalécia mandou-me logo ir tomar um banho frio e malhar oito valdisperts em jejum. Ainda hoje creio piamente no que sonhei.