3.11.04


José Subtil Linhares: "eu não sou eu, sou o Outro".

UM DIA HISTÓRICO
por Augusto Paulo Sartre Justo

Divido os meus amigos entre os que conhecem a banda pós funk Big Boss Man e aqueles que não a conhecem. Divido os meus amigos entre aqueles que acham que a melhor versão gravada de todos os tempos do Requiem de Mozart é a do maestro Karl Böhm e aqueles que não acham. Depois do dia de ontem, dividirei todos os meus amigos entre aqueles que acham que o facto de José António Linhares se ter barricado na sede do Sport Comércio e Salgueiros é a prova viva do existencialismo pós moderno no futebol português e aqueles que apenas consideram tal acto como um fait divers. Como facilmente se conclui, eu próprio incluo-me no primeiro grupo. A História encarregar-se-á de julgar a minha razão.
José António Linhares é um génio. Não há ninguém no mundo que tenha conseguido transformar um terreno para um estádio de futebol num centro de pescas, com um lago em cujas margens as famílias passeiam tranquilas. Ao fim e ao cabo, um parque da cidade alternativo. Só por isso merecia ser Comendador.
José António Linhares terá adormecido intranquilo, há duas noites atrás. Na mesa de cabeceira, o Desespero Humano, de Sören Aabye Kierkegaard, um copo de água e dois valdisperts para ajudar a dormir. Ao fechar os olhos revê imagens da mítica época de 1991/1992 em que o Salgueiros se apura para as competições europeias. Lembra também a vitória por 4-2 ao Benfica, em 1995, na Maia, e, por fim, a queda a pique rumo à segunda bê. Mexe-se e remexe-se nos lençóis. Vem-lhe à memória o décimo golo do Vizela no passado fim de semana, o tal que o fez chorar de raiva. Num ápice, recorda, de cor, uma frase ainda quente que acabou de ler no livro de Kierkegaard: “O recusar-se a aceitar como possível que uma miséria temporal e uma cruz deste mundo nos possam ser tiradas, não será uma outra forma de desespero? É o que recusa esse desesperado, que na sua esperança quer ser ele próprio. Mas se está convencido que esse espinho enterrado na carne (caso exista de facto ou que disso o persuada a sua paixão) penetra demasiado fundo para poder ser eliminado pela abstracção, então procurará eternamente torná-lo seu. Ele torna-se um motivo de escândalo, ou, melhor, dá-lhe azo a fazer de toda a existência um motivo de escândalo. (...) Lança-se então com toda a sua paixão nesse tormento, que acaba de se tornar num raivar demoníaco.”
Linhares cogita em torno dessa frase, lembra-se que deixou uns papéis na sede e decide fazer valer o seu amor, desespero e paixão pelo Sport Comércio e Salgueiros. No dia seguinte, e sempre com as palavras do filósofo dinamarquês a ecoarem na sua cabeça, entra de rompante na sede do Salgueiros de modo a por tais asserções kierkegardianas em prática. São 9.30 e afinal é ele que manda. Pensa que Kierkegaard podia vender camisolas, seria um grande nº 10, pensa em Vidal Pinheiro, em Manuel Subtil e na Comissão Administrativa que nega conhecer. Ali está ele, fechado, aos olhos do mundo, trauteando o refrão do hino do clube, “Salgueiros/ meu Salgueiros/ Ontem hoje e sempre/ Tu serás o mais bairrista/ Salgueiros, meu Salgueiros/ Vive no peito da gente/ Sempre a alma salgueirista”. A alma toda nos olhos pesados, uma escandaleira quase a tornar-se numa peixeirada épica, a vontade de ir ao fundo com o navio já afundado. Eis-nos em frente à plenitude do existencialismo aplicado ao futebol, na sua vertente kierkegardiana: o pior dos desesperados será aquele que nenhuma consciência tenha do seu próprio desespero, a ponto de questionar se será lícito dar-lhe esse nome. Aí se incluem todos aqueles que vivem uma existência de distanciamento de si mesmos e que preferem muitas vezes manter-se na ilusão em que se encontram, na ilusão eterna de serem presidentes do Salgueiros. Quinze horas depois, sai sob escolta policial e regressa a casa. Barricado de cordel, janta um naco de novilho na pedra e vê os resumos da Champions. “Faltou-me dizer que mandava a sede pelos ares se não continuasse presidente”, terá pensado entre duas baforadas num charuto. Linhares era um homem só, que acabara de dar o passo decisivo rumo ao reconhecimento de uma corrente existencialista pós moderna, da qual ele lançara a semente, na pele de chefe do departamento de futebol, há quase dez anos, ao conseguir vender Vinha ao FC Porto. O futebol português é desde ontem um futebol diferente.
Obrigado, José António Linhares.

2 Comments:

At 1:19 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Existem tantos apitos dourados!!!!
Apetece-m chorar só de me lembrar do puto q eu era a ver ao domingo á tarde com o meu pai e mano o salgueiral a jogar...

 
At 1:43 da manhã, Anonymous Anónimo said...

foi este grande filho da puta que em grande parte contribuiu para amorte do meu querido pai antonio fernando nogueira da costa que financiou até á ultima o salgueiral sua e nossa paixão ...p e
este grandessisimo filho da puta do linhares que ficou a dever 192,000eur que a familia os disfrute enquanto pode ....

 

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