12.9.04



Portugal nos JO 2004 ou a estética da mediocridade.

DE VOLTA, COMO O OUTONO
Por Quarlos Eirós, peripatético

Os meus dias de descanso foram dos mais agitados que tive nos últimos anos. Saí de casa rumo a um tranquilo passeio por essa Europa fora e, quando dei por mim estava a dar um seminário de verão dedicado ao tema “O Catenaccio através dos séculos” na Universidade de Novosibirsk. A minha mulher, Gertrudes Steiner Eirós, suplicou-me que dali nos escapulíssemos e assim foi. Rumámos a Aberdeen, onde troquei ideias sobre a filosofia dadaísta do 1-4-5 com o meu grande amigo Alex Fergusson. Depois, pulamos a Amalfi, onde debati o cubismo táctico e maxilar de José Peseiro, com o meu dilecto discípulo Cláudio Ranieri, num jantar com o mar ao fundo (onde comemos fígado com favas, acompanhado de um bom Chianti). Por fim, tive a oportunidade de jantar com Baltemar “The Brain” Brito num restaurante em South Kensington, Londres. Enquanto me enriquecia culturalmente, a minha mulher estoirava dinheiro em jóias e livros de Jacques Derrida e Ainsley Harriot.
Contudo, o objectivo destas linhas é sublinhar e exaltar a posição situacionista que a selecção portuguesa assumiu nos Jogos Olímpicos. Quer-me parecer que o brilhantismo Debordiano desta selecção jamais será esquecido pelas gerações novas. Comece-se por sublinhar a reacção psicológica de ter que disputar três jogos naquele país a quem tradicionalmente se atribui o berço da civilização ocidental, depois de tudo que esse país fez em Portugal Dois Mil e Quatro. Um impacto quase semelhante àquele que seria sentido por Nixon caso fosse viver a reforma para um lar em Hanói. Deste tipo de reacções só se pode esperar uma cabeça quente e uma tendência masoquista, verificada logo no primeiro jogo, com uma categórica derrota. Derrota essa não contra um adversário qualquer, mas sim contra o Iraque. O mesmo que Mark Spitz perder os cem metros bruços contra aquele tipo africano que entrou nos JO de Sidney e nadou “a passo”. Hilariante, provocador e situacionista q.b.. Mas o melhor estava guardado para a filigrânica ironia e rendilhado cinismo com que Portugal derrotou Marrocos. Como quem diz “o pior já passou, agora vamos para o ouro”. E quando os corações palpitantes suspiravam pelo ideal olímpico de entrega e abnegação, personificado na portugalidade de um Lázaro, de um Lopes, de uma Rosinha ou mesmo até de um José Regalo, eis que a nossa Manschaft pega fogo ao seu próprio circo, ardendo que nem palhaços crepitantes na genial derrota contra a Costa Rica. Mais uma vez, não uma derrota qualquer, mas sim uma derrota contra um país com nome de bolacha, idêntica àquela sofrida por Kasparov contra um pacote de leite magro.
Ora, toda esta campanha não pode ser obra do acaso, da indisciplina, da pêra rocha de Romão, da falta de vídeos dos adversários. Estamos perante uma fenomenologia pré idealizada e concebida, estamos perante um plano cujos resultados – autodestrutivamente patéticos - nos obrigam a questionar a nossa própria confiança e optimismo fadista, valores que nos são intrinsecamente naturais. Tudo isto, caros leitores, foi pensado até ao milímetro, qual tabefe espetado com doçura na cara de um filho da mãe.
Ou seja, e nas palavras de Dèbord, “No mundo realmente reinvertido, o verdadeiro é um momento do falso”, tal como a nossa brilhante participação nos Jogos Olímpicos. Para a posteridade fica um momento tão significativo como a derrota de Domingos Castro na final dos 10000 metros em Seul. Genial.