17.3.04


Tavares: A borra total em S. Siro

Grandes Concretizações do Pós Modernismo no Nosso Futebol

Nº 1 - A BORRA
por Augusto Justo

Não há expressão mais coerente para designar o estado de espírito pós moderno, que assola os futebolistas portugueses desde o crepúsculo da modernidade, do que a Borra. A Borra é um estado psicossomático que atinge os futebolistas e que consiste num misto de medo, de pequenez, de angústia existencial bebida em Kierkegaard e, amiúde, forte indisposição gastro-técnico-tático-intestinal.
A Borra é, portanto, um estado próximo do gasoso que caracteriza qualquer equipa portuguesa que jogue fora de portas e, indoors, qualquer equipa que vá jogar às Antas.
O seu uso lexical deve ser acompanhado pelo verbo “dar”. Assim, quando, a título meramente exemplificativo, a pequena equipa X vai jogar ao infernal e superlotado estádio da grande equipa Z, mete-se no ferrolho e não acerta um passe, acabando por perder o jogo por 4-0, é caso para dizer que lhes “deu a borra” quando entraram em campo. O mesmo se aplica a jogadores sem forte estrutura psicológica, reflectindo-se a mente fraca nos joelhos que tremem e no suor frio quando se posa para a fotografia. A esse estado, segue-se um jogo miserável, sem fio nem linha, repleto de passes errados. Quando esse jogador é substituído, às razões tácticas invocadas pelo mister, deve sempre acrescentar-se uma outra: “deu-lhe a borra e teve de sair”.
A borra é o antónimo da raça. A um jogador raçudo raramente lhe dá a borra nos grandes momentos. Quando muito, pode revelar insuficiência psicológica através de uma raiva incontrolada que desagua em expulsão ridícula (vermelho directo) por agressão bárbara a um adversário, sem aparente razão. E isso nunca é sinónimo de lhe ter dado a borra. Continua a ser uma inegável demonstração de raça.
O exemplo paradigmático – mítico até – da maior borra de sempre do futebol português aconteceu a 1 de Março de 1995: o jogador Tavares pisou S. Siro com a chemise do Benfica e, aos 23 minutos de jogo já houvera sido substituído por Kenedy, sem nenhuma razão aparente. Tavares não aguentou o ambiente infernal daquele estádio. Os joelhos tremiam, o suor era frio, o seu fio de jogo era menor que zero. Sentiu náuseas e quase se urinou pernas abaixo. Pediu a substituição. O que é que lhe deu? Deu-lhe a borra total.