29.11.03


Rumo ao pós modernismo total: uma imagem histórica
do onze lusitano que derrotou a URSS com a ajuda de
um árbitro mais português que o Dimas Teixeira.

O Milagre da Qualificação (1-Euro 84)
por Augusto Justo, astronauta

A 27 de Abril de 1983, a selecção de todos nós entrava, nervosa, no mítico Estádio Lenine em Moscovo, para defrontar a sua congénere soviética, em mais um jogo de campanha para o Euro 84. Andropov, secretário geral do PCUS, soltava, do alto da sua tribuna presidencial, um pouco diplomata "está no papo". A noite estava gelada para os comandados de Otto Glória, a saber, Bento; Pietra, Humberto Coelho, Bastos Lopes e João Cardoso; Festas (Costa), Carlos Manuel, Alves e Jaime Pacheco; Gomes e Nené. O resultado - cilíndrico - deixava margem para poucas dúvidas sobre quem iria ao Euro. A URSS matava Portugal com um categórico 5-0, numa aplicação exemplar da famosa "geometria do futebol soviético da escola de Lobanovsky". O treinador ucraniano apenas no quinto golo soltou um esgar de felicidade, ao levar a mão ao cachaço. Era assim Valery: um cerebral.
De malas aviadas para Lisboa, a comitiva portuguesa regressava convencida de que só um milagre os levaria ao Euro. E foi isso que aconteceu. Primeiro, Otto Glória abandona o comando da selecção e é substituido por Fernando Cabrita e uma obscura equipa técnica gestora de tensões entre SLB, FCP e SCP. Depois... depois veio o 13 de Novembro. O estádio da Luz num ambiente festivo de pós verão de S. Martinho recebia dois onzes, logo um vinte e dois, ambos a um passo da qualificação. E o milagre ali tão perto, nas mãos de Bento e nos pés de Lima Pereira, João Pinto, Eurico, Inácio; José Luís, Carlos Manuel, Jaime Pacheco e Chalana (Shéu); Gomes e Jordão. Nando Chalana, farta cabeleira, bigode pós moderno e um drible estonteante deambula pela esquerda, flutua rumo à área. Ninguém o pára. Ninguém? Ninguém, excepto o romeiro Demianenko, com uma falta cometida a cerca de 3 ou 9 metros da área de rigor. O árbitro vacila e aponta penalty. Hilariedade geral no Estádio da Luz, grita-se milagre, milagre! e Rui Jordão - agora pintor - corre para a bola e fuzila o lendário Dasaev. Golo de Portugal. Assim, seco como o comentário do Rui Tovar. França, aí vamos nós. "Foi milagre", disse eu. "Nem penses", disse-me o meu primo lusoviético Vassily Justo: "A pravda é que a URSS é sempre gamada quando joga no ocidente", concluiu.