8.9.03

RECADO URGENTE À FIFA, À UEFA E À FPF

Pelos Obscuros Irmãos Monteirinho, em Oslo

Chegou a "reentrada". Para trás ficam os quentes dias de um verão quente, passado em iates, casinos, bôites, praias e hotéis. Re(le)mbrand(t)o a velha máxima abrunhosa “foram tantas as noites sem dormir, tantos quartos de hotel, amar e partir”. Pelo meio, três ou nove jogos de futebol, com natural análise dos seus fenómenos pós modernos.
Nestes dias de reentrada, chegou-nos às mãos, por delicadeza desse grande senhor do futebol do médio oriente, o Mister Lippi Marques, um livro de imenso gabarito, um compêndio para o amante do futebol, uma bíblia para todos os pós modernistas. Tem um título verdadeiramente pós moderno: “A propósito de questões graves no futebol: recado urgente à FIFA, à UEFA e à Federação Portuguesa de Futebol, seguido de Como Botas Cardadas Pisando Corações de Crianças, A Desumanidade Dumas Pessoas Grosseiras!, Mas Julgando-se Santinhas”. O seu autor é nada mais, nada menos que o lendário Agostinho Caramelo, também ele um admirador confesso das artes “futeboleiras”. Define-se o dito Agostinho Caramelo na frase que acompanha a nota editorial deste maravilhoso título de 1987: “Ed. Do Autor - como as anteriores - porque os editores nem respondem às cartas que lhes envio quando termino os meus livros; e porque ficava doente se escrevesse e não publicasse”. Eis um grande exemplo de persistência e crença nas nossas próprias capacidades, eis alguém que não precisa de ler os livros da Xis, com aqueles títulos do tipo "Perdi-me e encontrei-me: tinha ido à casa de banho". Com efeito, “A propósito de questões graves no futebol: recado urgente à FIFA, à UEFA e à Federação Portuguesa de Futebol, seguido de Como Botas Cardadas Pisando Corações de Crianças, A Desumanidade Dumas Pessoas Grosseiras!, Mas Julgando-se Santinhas” é um livro inteiramente manuscrito e pago do bolso de Caramelo, onde o autor expõe as suas pertinentes inquietações sobre um fenómeno já neste blog tratado: o elevado preço dos bilhetes para os jogos de futebol, em particular e o futebol e a sua crise, no geral. Diz-nos o autor que “Já vem da década de sessenta o desassossego mundial pela subida dos preços dos bilhetes de futebol.” Rematando a ideia com um magistral exemplo de escrítica criativa: “Anteriormente haviam (sic) penetrado nos meandros do futebol os grandes interesses comerciais!(sic), movimentando somas fabulosa!...”. Nota-se uma actualidade impressionante nas palavras de Caramelo, actualidade essa aliada a um profundo domínio e conhecimento da evolução do jogo e do uso e abuso desse lindo sinal que é o ponto de exclamação! Atente-se neste exemplo para que se comprove o supracitado: “E antes entravam em campo 20 atletas a pensarem na marcação de golos!...; - depois passaram a entrar 22 jogadores dispostos a impedirem a marcação de golos!” Caramelo, em profundo rigor pós moderno, critica, com a filigrana da ironia clássica, o recrudescimento do catenaccio, em desfavor do WM. O autor vai mais longe ao ousar enlaçar a defensividade táctica ao hooliganismo, quando escreve “Seguiu-se um crescer de violência, alastrando, alastrando...; Daí, desencanto/decepção nos adeptos – e aumento dos problemas/complicações no futebol!...” uma vez que “quaisquer violências, dentro ou fora do rectângulo afastam espectadores com brio cívico e moral. Depois, nos relvados, e pelados já sem molduras humanas condizentes, os jogadores ficam desmotivados. Baixa o nível técnico; malabarismos/preciosismos, desaparecrem: perde o futebol espectáculo-rotulado de regalo dos olhos, consolo do povo.” Mas, com a preocupação solucionante que o caracteriza, Caramelo propugna que “Futebol com golos e preços aceitáveis dá jeito às multidões agora necessitadas de explosões-libertação” (note-se o pós modernismo no conceito explosões-libertação) pois “No Futebol, agora... -Arre!... À volta e perto dos recintos desportivos... -Arre!... Bilhetes do futebol – violentos de mais!, no preço”, conclui. O recado às grandes estruturas do futebol mundial, europeu e português têm uma estrutura lógica na filosofia de Caramelo. O autor alerta-nos, primeiramente, para a sociologia do futebol e sua importância nas massas (“Conquistou-se o campeonato? Inesquecível tarde de glória! Os morteiros são dos mais potentes!; surgem pipas atestadas de boa pinga”) e nos próprios agentes futebolísticos (“aquele jogador de fazer sentir frémitos de entusiasmo!, a quem chamavam o motor da equipa!, e depois, na selecção, o buldozer do meio campo!, confessou que nada seria na vida!, se não houvesse enveredado pelo futebol e que conhecia praticamente todo o mundo!-maravilha impossível se tivesse ficado amarrado à profissão de sapaterio remendão!”). Depois, Agostinho Caramelo analiza o crescendo de violência no desporto rei, dentro e fora dos relvados, num tomo denominado “Dados concretos sobre a filosofia negativa do futebol actual” onde nos diz que “em 1984, no desafio entre os dois primeiros classificados, aconteceu sarrafusca desprestigiante;”. O terceiro passo é a análise dos referidos fenómenos de explosões-libertação com o capítulo "Grande golo: seu valor terapêutico” cuja ideia dominante é aquela que nos informa que “durante horas, os estádios têm o condão de fazer esquecer berbicachos/raleiras da semana”. Por fim, o momento orgásmico (vertical, claro está) deste grande compêndio que aniquilaria por completo qualquer epopeia que Mourinho e ou Boloni e ou Sabrosa escrevam: o recado às estruturas popriamente ditas, com a proposição de um novo paradigma do futebol “-Que tal?, a hipótese de certos novos golos valerem o dobro?”
Através da criação de acrescentos de novas balizas mais pequenas (50 por 50 cm) ao longo da linha de fundo, Caramelo adventiza que os “golos alcançados pelos acrescentos dão nova emoção: revitalizam o jogos!; seriam o acicate de campeonatos”. E mais não é necessário dizer. “A propósito de questões graves no futebol: recado urgente à FIFA, à UEFA e à Federação Portuguesa de Futebol, seguido de Como Botas Cardadas Pisando Corações de Crianças, A Desumanidade Dumas Pessoas Grosseiras!, Mas Julgando-se Santinhas” é, realmente, a melhor e a mais profunda obra de reflexão futebolística que alguma vez já se fez em Portugal.
Como prova da nossa veneração perante este colosso da escrita futebolística, como consciencialização da nossa pequenez ante o génio problematizante de Caramelo, como manifestação de total idolatria por este grande pós moderno, nós, Irmãos Q. E W. Monteirinho, deixaremos de escrever, sobretudo sobre futebol. Depois de lermos este livro, não temos condições para continuar. Até sempre Futeblog-Total. Um grande bem haja. Ponto final. Sem parágrafo.