16.7.03

1981
pelos irmãos Q & W Monteirinho, de pasagem por Klosterpforte.

“Le cinéma substitue à nos regards un mode qui s’accorde à nos désirs”
André Bazin

Mil novecentos e oitenta e um. Portugal falhava, mais uma vez, a qualificação para a fase final de um Mundial de futebol. Nas míticas quartas feiras europeias, o Liverpool batia o Real Madrid na final da Taça dos Campeões, a UEFA ia para o Ipswich Town e, na saudosa Taça das Taças, o Dinamo de Tiblissi ganhava à rasca ao Jena, clube da terra das lentes Carl Zeiss. O mundo continuava, portanto, a girar sobre si mesmo como uma bola enviosada rematada por Tamagnini Néné (o avançado que nunca borrava o equipamento), melhor marcador do campeonato, ganho pelo Benfica. Em Londres, Carlos, príncipe de Gales, casa com Lady Diana Spencer na catedral de São Paulo, num desafio transmitido pela televisão para mais de 700 milhões de pessoas em todo o mundo; mundo que ficava em suspense com a bala disparada por John Hinckley, numa tentativa frustada de assassinato do actor Ronald Reagan, então presidente. De filmes pareceu o roubo dos únicos quadros de Picasso e Dalí existentes em Portugal e que deixaram de estar no museu do Caramulo, museu esse que provavelmente não terá sido visitado por Henry Fonda e Katherine Hepburn, vencedores dos Oscars de melhor actor e actriz pelo desempenho em A Casa do Lago. Momentos de Glória levou o melhor filme. Injustamente, dirão todos aqueles cinéfilos e futebolófilos que conseguem recordar 1981 como o grande e inolvidável ano em que viram uma obra colossal chamada Fuga Para A Vitória, realizada por um Alessandro Altobelli da Sétima Arte, John Huston (We have a proublem).
Fuga para a Vitória tem uma história extremamente simples e básica. Tão simples e básica que dela apenas nos lembramos de se tratar de um grupo de presos Aliados que defronta, ante o olhar atento de Max Von Sydow (um nome que qualquer um de nós gostaria de ter, caso fosse futebolista), a temível Manshaft Nazi. Não há sexo, não há grandes tiros, apenas um braço partido de propósito. Como se chega a esse desafio de futebol, também não interessa. Nada mais importa nesse filme senão os derradeiros minutos em que o futebol é filmado com mestria e rigor para um miúdo dos seis aos noventa e seis anos. Aliás, cada vez que se revê este clássico, deve ir-se de imediato, sob pena de não aguentarmos o filme até ao fim, para a parte do jogo que, sim é verdade, deveria ser bem mais longa.
Se parte do elenco de actores se pudesse equiparar aos artistas que espalham na verde grama as finas linhas com que se cose a filigrana futebolística, diríamos que Fuga Para a Vitória congrega em si um Platini da sétima arte, Michael Caine, que contracena com uma mistura genética bem explosiva de um Stig Tofting com Fernando Aguiar, de um Jorge Cadete com um Tony Meola, de um Carlos Costa com um Idalécio: Silvester Stallone.
O desempenho de Stallone, como não podia deixar de ser, dá cabo do filme; quer com o seu riso descaído para o lado direito, quer e pelo ar de desilusão que carrega durante todo o filme pelo facto de não ter podido limpar o sebo aos avançados alemães com dois zagalotes ou duas rajadas de kalashnikov. Resolver-se-ia a questão com simplicidade, ganhando o jogo via técnica da força. Michael Caine, pelo seu lado, empresta ao futebol a sua (dele) arte de bem representar e meia dúzia de quilos feitos de banhas inesquecíveis. Aos actores da bola, juntam-se os futebolistas das telas: Osvaldo “Ossie” Ardilles, que com uma jogada em que faz a bola passar em forma de U invertido por cima do seu corpo e do corpo de um adversário, num exímio "gesto técnico", influenciou toda uma geração para a prática não das artes dramáticas, mas do futebol que acabava em drama (nas escolas, quem ousava – e conseguia – fazer esta jogada era, por via de regra, espancado pelo adversário humilhado); também lá andam Bobby Moore, Mike Summerbee e sobretudo Pelé, que, com as costelas partidas, marca um descomunal golo de bicicleta visto e revisto até a fita do video Beta ficar estragada.
Mas o momento mais intenso, o happy ending melhor que o beijo entre os amantes que se encontram depois anos de injustas ausências, melhor que o regresso a casa do soldado desconhecido, melhor que o morto certo que se salva no limite, é mesmo Stalonne a defender o penalty (injustamente assinalado, se bem que não é nosso apanágio comentar arbitragens) que vai ser marcado pelo pérfido e hediondo Baumann. Esta sequência chega aos cinco minutos, numa sucessão de planos intensos: olhos nos olhos, o suor que respinga pelo rosto, tensão, silêncio, balanço, angústia do guarda redes, Baumann vai rematar, Stalonne parte num vôo extenso, a sua boca abre-se e de lá sai um grito mudo, a bola percorre os onze metros, Stalonne continua a voar e... e... e... e... e... defende!!!De-fen-de!!! Sim, Yes, Oui, Da!!!! É o delírio nas bancadas do Estádio Colombes, senhores ouvintes e cinéfilos. Vê-se e revê-se a defesa em várias repetições em câmara hiper lenta, levanta-se da bancada e grita-se ao som da melodia encantatória de Bill Conti. Afinal, o cinema é isto mesmo. Para a posteridade, e porque assim cantava Espadinha (also gesungen kleineklinge), Recordar é Viver, aqui ficam os onzes iniciais daquele filmebol épico. O resultado? Um não menos clássico "empate com sabor a vitória" 4-4.


Aliados com:
1. Robert Hatch (USA) (SYLVESTER STALONE)
2. Michael Fileu (Bel) (PAUL VAN HIMST)
3. Cptn John COLBY (UK) (MICHAEL CAINE)
4. Pieter Van Beck (Hol) (CO PRINS)
5. Doug Clure (UK) - (RUSSELL OSMAN)
6. Terry Brady (UK) (BOBBY MOORE)
7. Arthur Hayes (Sco) (JOHN WARK)
8. Carlos Rey (Arg) (OSSIE ARDILES)
9. Sid Harmor (UK) (MIKE SUMERBEE)
10. Luis Fernandez (Bra) (PELE)
11. Erik Borge (Dinamarca) (SOREN LINDSTED)

subtituições
Arthur Hayes(Sco) (JOHN WARK) deu lugar a Paul Wolchek (Pol) (KAZIMARIEZ DEYNA) e Pieter Van Beck (Hol) (CO PRINS) a Gunnar Hilsson (Nor)(HALLVAR THORESEN)
Alemanha

1. Schmidt (Laurie Sivell)
2. Kuntz I
3. Reinhard
4. Baumann (Werner Roth)
5. Kuntz II
6. Kuntz III
7. Becker
8. Kuntz IV
9.General Bronte
10. Schmidt (Robin Turner)
11. Albrecht Durer (o próprio /as himself)